Verdade Chinesa

terça-feira, 3 de abril de 2018

Ser mulher, como eu quiser

O último texto que eu escrevi, há mais de um ano, tinha como temática a perspectiva da sociedade sobre a traição. Em resumo: os homens têm o direito natural de trair e as mulheres são fracas se perdoam a traição e são fracas se não perdoam a traição. Mais de um ano depois de ter escrito sobre isso, sou praticamente obrigada a escrever novamente sobre outro double-standard ridículo da nossa sociedade machista: a de que os homens incisivos são fortes, determinados, e de que as mulheres são ditadoras, autoritárias, tiranas, mandonas ou algo do tipo.
Se você não se lembra de ter sido adjetivado com algum desses últimos adjetivos recentemente, certamente você que me lê é um homem. Eu já fui chamada com termos parecidos duas vezes desde sábado - e a semana está só começando. Quase comecei a acreditar que talvez, lá no fundo, isso fosse mesmo verdade. Não pense o leitor e a leitora que essa possibilidade não me passou pela cabeça. Sou passível de falhas como todo ser humano e tenho inúmeros defeitos, como todos vocês sabem. Acredite, caro(a) leitor(a): eu teria acreditado nisso, se alguma mulher também já tivesse me acusado - o que nunca aconteceu.
Hoje, percebi que das 7 disciplinas que peguei na faculdade no semestre atual, apenas uma é ministrada por uma mulher. Uma mulher forte. Determinada. Inteligente. Uma que provavelmente é pouco elogiada com esses adjetivos só porque tem cromossomos X ao invés de Y.
A primeira aula da supracitada disciplina aconteceu hoje. A professora foi constantemente interrompida e questionada por uma turma predominantemente masculina. Digo mais: a professora só foi interrompida por homens - eles achavam poder contribuir mais do que ela sobre o tema, apesar dela ter os dados empíricos, científicos e o título de mestra. "Professora, é óbvio que..." Sempre assim. Sempre erradas. Sempre óbvio que eles estão certos e nós não.
Ela soube se impor? Sim. Graças a Deus. A maioria não sabe. E nós não deveríamos ter que saber fazer isso.
O corpo docente da Faculdade é majoritariamente branco. Não é coincidência que eu tenha 6 professores homens, brancos, e só uma professora negra, mulher. É reflexo de uma sociedade na qual as mulheres são maioria enquanto estudantes no ambiente universitário e minoria nas posições de poder, seja em qual ambiente for. O que foi o impeachment, se não uma golpe misógino perpetrado por partidos conservadores para tirar uma mulher (também tida como dura, arrogante e autoritária) do poder?
Eu não escrevi nada no Dia Internacional da Mulher. Eu não escrevi nada durante um ano e meio. Porque? Porque eu estava e estou ocupada. Resistindo. Opinando. Me posicionando. Ser mulher, como eu quiser - só isso: já é muito. Na faculdade, no estágio, em casa, em todos os lugares, pra todas nós, todo dia: ser mulher é sempre uma questão de resistência.