Verdade Chinesa

sábado, 5 de outubro de 2013

Enrolada na Rede

Acompanhei com bastante interesse o imbróglio de Marina Silva na tentativa de criação do Rede Sustentabilidade. A ex-senadora surpreendeu a todos ao conseguir 20 milhões de votos na última eleição presidencial, e surpreendeu o país novamente hoje (05/10) ao anunciar sua filiação ao Partido Socialista Brasileiro (PSB). 
Digo surpreendeu porque poderiam acusar Marina de muitas coisas, mas não de incoerente. A ambientalista abandonou o PT quando achou que este não partilhava mais dos seus ideais e se aliou ao PV, pelo qual disputou a eleição de 2010. Também abandonou o PV, prometendo uma nova opção entre os pólos da política atual, que se concentra em petistas e psdbistas. Marina prometeu uma nova política. Onde está ela? Na aliança com o PSB?
Não nego que deve ter sido uma situação complicada. Marina teve o registro de seu partido negado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na quinta-feira, quando o prazo máximo para a criação de um partido que quer apresentar candidato a próxima eleição é neste sábado. A ex-ministra do Meio Ambiente do governo Lula encontrou dificuldade não somente em adquirir as assinaturas necessárias para a criação do Rede Sustentabilidade, mas também na validação destas. Muitos cartórios demoraram na validação e outros invalidaram as assinaturas sem apresentar nenhuma justificativa. Todavia, não estou aqui questionando o processo de criação de partidos políticos no país, ou mesmo a decisão do TSE, com a qual eu concordo. O que questiona-se aqui é a decisão da ambientalista de se filiar ao Partido Socialista Brasileiro (PSB).
Marina deveria ter se mantido fiel no que acreditava, mas não o fez. Se seguisse a ideologia que alega, a acriana teria abdicado participar da próxima eleição presidencial. Mas seu segundo lugar nas pesquisas provavelmente a fez perceber que uma legenda com o PSB de Eduardo Campos (atualmente quarto colocado) lhe cairia muito bem, politicamente falando. Se a candidata queria tanto participar das eleições, porque não escolher um partido menor e menos estruturado? Isso lhe daria algum espaço para desenvolver seus sonhos e ideais. Mas o PSB é mais forte. Uma legenda com Campos, visto os adversários, provavelmente lhe garantirá um segundo turno. Alguém aí quer conversar com o Aécio Neves? 
E é por isso que ideologicamente falando, essa aliança com o PSB é incoerente e contraditória. Diferentemente do PV, o PSB sequer apresenta ideologia ambiental clara, que é um dos focos da acriana. Marina prometia uma nova política e novas opções. Não cumpriu. Apenas uniu-se a mais um partido que, apesar de ter um ou outro grande nome, como o próprio Campos, abandonou a base petista no meio do caminho. 
No fim, o que a ex-senadora oferece com essa filiação é a impressão de que se transformou de opção de voto a apenas mais uma enrolada na rede, que infelizmente não é de sustentabilidade. É a rede da política e dos acordos eleitorais, com as quais imaginou-se que ela não compactuava. Não se decidiu ainda quem é vice e quem é candidato a presidência desta nova legenda. A única certeza que temos, todavia, é a de que o povo brasileiro foi, mais uma vez, enrolado.

sábado, 20 de julho de 2013

Nelson Mandela

Sei que vocês esperavam um texto polêmico quando eu voltasse a escrever. Talvez escreva sobre a vigilância de Obama, talvez não. Talvez escreva sobre a Jornada Mundial da Juventude, talvez não. Todavia, hoje, quero escrever sobre quem realmente mudou algo no mundo positivamente ao invés de falar sobre políticos e sobre como eles sempre acham métodos diferentes para nos roubar. Quero falar de coisa boa, mas não quero falar de Tekpix. Hoje, quero falar de Nelson Mandela.
O sul-africano completou 95 anos há dois dias atrás, e, infelizmente, creio que 96 não serão completados. Sei que podem me dizer que estou sendo pessimista, mas todos sabemos do estado, apesar de estável, crítico da saúde de Mandela. Assim, não quero fazer um texto bonito quando Mandela morrer. É execrável o que ocorre depois que todo mundo morre. Todos viram santos e pessoas de bem. Mas Mandela realmente foi uma dessas pessoas. Então acho justo que seu mérito seja atestado em vida, e não somente em morte. Ele merece.
Não estou dizendo que Mandela é perfeito. Sei muito bem de seu apoio a ditaduras que o auxiliavam no Congresso Nacional Africano (organização criada contra o apartheid). É óbvio que também sei que muitos colegas revolucionários enriqueceram de um dia para o outro. Mas estamos falando aqui de um homem que nunca abandonou a causa pela qual lutou. Nelson Mandela não se chama Lula. 
Apesar de condenado a prisão perpétua, passou 26 anos preso. Nestes 26 anos, permaneceu lutando pela causa em que acreditava. Queria ver uma África do Sul unida, independente de raça. Repito: não estou dizendo que Mandela foi perfeito. Sua vida pessoal foi um caos, o que se reflete até hoje, nas brigas entre os netos e os filhos, que mal esperaram o ex-presidente (Mandiba, apelido carinhoso que recebeu em sua terra natal, presidiu a África do Sul entre 1994 e 1999) morrer para brigar pelo dinheiro. Três casamentos. Dois deles arruinados pela vida política ativa de Nelson, o que o impossibilitava de estar constantemente em casa. Sua mãe morreu achando que ele era um criminoso, já que o visitava na prisão e nunca entendeu pelo quê o filho lutava. 
Foi finalmente solto pela pressão internacional que clamava sua libertação, em 1991. Em 1993, ganhou o prêmio Nobel da Paz e em 1994, a vitória na primeira eleição verdadeiramente democrática do país. Cumpriu seu mandato, que também não foi exemplar, mas que inevitavelmente, deu início a uma nova África do Sul. Uma África do Sul que tem seus problemas sim, mas que aceita brancos, negros, vermelhos e azuis, caso você seja de Avatar. Hoje, aos 95 anos, Mandela é um símbolo de luta e um dos principais nomes do século XX. Quando Mandela morrer, morrerá junto com ele um espírito egocêntrico sim, como pôde ser atestado em alguns momento de sua vida, mas também lutador de modo como talvez jamais tenha se visto. Jamais comparem a África do apartheid com o Brasil da ditadura. Aqui, você não era punido por ser negro e submetido a uma vida miserável apenas por ter nascido com determinada cor e não com outra. Comparar Dilma com Nelson Mandela seria engraçado, se não fosse triste (a comparação chegou a ser feita na campanha presidencial dela em 2010). Quando Mandela não abrir mais os olhos, a África do Sul praticamente morrerá junto com ele. Como disse o próprio Mandela, não há caminho fácil para a liberdade. Todavia, poucas são as pessoas que tem a coragem necessária para trilhá-lo até o fim, independente de tudo. Há dois dias atrás, Madiba completou 95 anos. São 34.675 dias. Continuamos contando com a certeza de que não lhe restam muitos, mas também com a certeza de que ele lutou e irá lutar, do jeito que pode, até o último segundo deles.

ps - Sei que prometi escrever por aqui com mais frequência e vontade não me falta. Mas entrei num ritmo insano de ter que fazer praticamente um relatório por dia, então perdoem-me e não me abandonem. Eu sempre volto.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Monsanto - Entre o agente laranja e o marketing verde

A Companhia Monsanto é uma indústria multinacional de biotecnologia e agricultura. Você pode até não conhecê-la ou não ter ouvido falar dela, mas os vietnamitas conhecem. Foi a Monsanto a responsável pela distribuição do agente laranja, desfolhante utilizado pelos EUA na Guerra do Vietnã, entre 1959 e 1975. Enquanto os vietnamitas conheciam bem a área, os americanos tinham dificuldade com a densa vegetação, o que foi a principal estratégia (se é que pode se chamar isso de estratégia) do pequeno país asiático, que acabou conquistando a vitória. 
Se ela foi barata? Claro que não. Anos depois, foi confirmado altos teores de dioxinas cancerígenas nos herbicidas utilizados no agente laranja. 4,8 milhões de pessoas foram expostas pela guerra promovida pelos Estados Unidos e pela insensibilidade da Monsanto. Crianças pagam, até hoje, o preço de uma guerra que nem viveram. Consequentemente, a incidência de crianças com câncer ou com má formações congênitas no Vietnã é a mais alta de todo o mundo.
Com um passado tão tenebroso, era de se esperar que a Monsanto pagasse suas indenizações e se retirasse do mercado. O governo americano e a Companhia indenizaram soldados americanos contaminados, mas nunca assumiram a responsabilidade pelos vietnamitas. Se retirar do mercado? Nem pensar. 
Ainda assim, esperava um caminho no mínimo discreto da Companhia. Por isso, qual não foi minha surpresa ao me deparar com uma publicidade verde da Monsanto na Semana Internacional do Meio Ambiente. Faz-me rir. Essa publicidade ridícula da empresa, que de santa não tem nada, tenta apenas encobrir todo o mal já submetido a milhões de inocentes. Como? Com uma suposta preocupação com o meio ambiente e com um mundo sustentável. Essa estratégia de marketing, denominada greenwalsh, seria fofa, se não fosse tão ridícula e irônica. Mil propagandas jamais apagarão o passado da empresa, que deveria ter seguido o próprio conselho. Afinal, não deveria a Monsanto ter cuidado da árvores? E não deveria também não ter metido o pé na jaca? Por fim, antes de tentar ajudar o mundo, seria interessante se a Monsanto ao menos se importasse conosco. Somos pessoas. E são as pessoas que cuidam e que tentam mudar o mundo.

Utopia

"A utopia está no horizonte. Nos aproximamos dois passos, ela se afasta dois passos. Caminhamos dez passos e o horizonte se afasta mais dez. Por mais que caminhemos, jamais alcançaremos. Então para que serve a utopia? Simples. Para caminhar."

Fernando Birri

domingo, 12 de maio de 2013

O triunfo da nulidade

"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos do maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra e o pior, a ter vergonha de ser honesto."

Rui Barbosa

sexta-feira, 22 de março de 2013

Dr. ENEM

Há diversas falhas no sistema educacional brasileiro, e não há surpresa ou novidade nessa afirmação. Surpresa, de fato, ocorreu quando algumas redações do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) foram reveladas. Alguns estudantes, tentando testar o sistema de correção do exame, infiltraram propositalmente no meio de suas redações textos totalmente desconexos com o tema da dissertação. Fernando Maioto inseriu, na redação cujo tema era a imigração no século XXI, trechos do hino do Palmeiras. Sua nota? 50% do valor total: 500 pontos. E se você não sabe fazer uma redação decente mas sabe cozinhar, fique tranquilo. O mineiro Carlos Ferreira colocou receita de miojo infiltrada e adquiriu 560 pontos, que equivalem a 56% da nota total.
Como brasileira e estudante do ensino médio em instituição pública do país, não sei do que sinto mais vergonha. Se da precariedade do nosso sistema educacional ou da entrevista concedida pelo presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), Luiz Cláudio Costa. Quando questionado sobre o acontecido, afirmou: "Deve ter nota zero? Claro que sim. Mas temos que ter cautela, separar o joio do trigo. Pode ser que o estudante tenha um branco, saia do tema, mas faça com seriedade e depois volte ao assunto. Esse estudante não pode ser prejudicado".
Me perdoe se você faz ou fez o gênero do estudante que têm brancos na prova. Saiba que isso também acontece comigo as vezes. Mas quando isso acontece, eu saio da prova com a plena consciência de que não fui bem, que precisarei estudar mais para recuperar a nota perdida. E é isso que qualquer pessoa sensata pensa. Mas não o doutor Luiz Costa, que acha que esquecimentos devem ser perdoados. Pois que se perdoe todo e qualquer esquecimento então. Porque se perdoa o aluno que, pela pressão, fugiu do tema, e não se perdoa o aluno que, pela pressão, é claro, esqueceu de marcar as respostas no gabarito? Se o corretor acha que "deu branco" é uma desculpa plausível e aceitável, que faça-se justiça. Perdoe-se, então, todo e qualquer branco. Afinal de contas, esse coitado estudante também não pode ser prejudicado.
A verdade é que esse fato apenas ridiculariza ainda mais a educação no país e expõe a realidade da situação. O ENEM não examina nada. O ENEM é como aquele médico que te atende na emergência, tira a sua pressão e temperatura e diz que você está com virose. Que análise profunda o médico faz sobre sua doença? Qual é o reflexo que o ENEM faz da verdadeira situação educacional do país? O jornal O Globo revelou recentemente que algumas redações, cuja nota obtida foi a máxima (1.000 pontos) tinham graves erros de português. Enxergar, com ch. Razoável, com s. O MEC divulgou uma nota afirmando que erro de ortografia não significa que o aluno não domine o padrão da língua. Faz-me rir. O que nós estamos avaliando então? Se o estudante sabe escrever o próprio nome? Se sabe marcar as respostas no gabarito?
Não se engane. Os supostos ótimos índices alcançados no ENEM não querem dizer nada sobre a verdadeira situação educacional do país. Dizem apenas que temos corretores incompetentes e inaptos para tal função. Os estudantes de ensino médio brasileiro não estão sendo bem preparados e não estão tendo acesso a educação que merecem, e que, por lei, deveriam ter. Os resultados obtidos nesse péssimo método de avaliação da educação brasileira apenas maquiam a nossa triste realidade. Mas isso não a muda, não a transforma. Eu queria me alegrar com os índices alcançados. Bater no peito e dizer: esses sim, são os jovens do nosso país! Que futuro brilhante teremos! Não posso. Apesar de tudo, educação, infelizmente, a gente não vê por aqui.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Todos somos um

O país está em choque. A maior tragédia da história do Brasil aconteceu em Santa Maria, RS. O incêndio da boate Kiss, na madrugada de domingo (27/01), abalou milhões de brasileiros. Foram 231 mortos e inúmeros feridos, entre eles, jovens formandos e universitários, que infelizmente, jamais chegarão a fazer parte do futuro do país.
Não quero falar sobre as vítimas ou sobre os vilões. Que a tragédia merece comoção e que a cidade de Santa Maria merece apoio e ajuda não há como negar, é um fato incontestável. Mas enquanto essa tragédia acontecia, outro fato, no mínimo interessante, ia ganhando espaço nas redes sociais. Os nordestinos estavam sendo alvo de piadas de cunho preconceituoso e sendo inferiorizados em uma das maiores redes sociais da web, o twitter, por conta de uma suposta inferioridade na comparação com outras regiões, como o Sudeste e o Sul.
Que paralelo eu quero fazer com os dois fatos? Todos os anos, a região Nordeste é atingida com a trágica seca, que assola o gado e causa fome entre a população. A estiagem de 2012-2013 já é considerada a pior dos últimos 40 anos. Nos últimos dias, a região foi presenteada com chuva. Se a média pluviométrica do Nordeste se estabilizar, e se um novo período de seca não recomeçar, demoraremos 10 anos para recuperar totalmente os municípios afetados e as áreas prejudicadas. E enquanto a tragédia em Santa Maria é tratada com toda a atenção e comoção que de fato merece, a seca nordestina é tratada com descaso - e pior, como piada.
4,8 toneladas de doação já foram enviadas para ajudar os afetados pela tragédia no Rio Grande do Sul, nem dois dias depois do ocorrido. Em 2008, todo o país se juntou para auxiliar os atingidos pelas enchentes em Santa Catarina. Todo o país, e não somente São Paulo ou o Rio Grande do Sul. A República Federativa do Brasil colaborou. Que se faça a unidade novamente agora, e que a população de Santa Maria seja ajudada. Mas que a unidade valha também para o Nordeste, e que a inércia com relação a seca seja substituída por auxílio. Será que somos todos um apenas em Copa do Mundo e quando lhes é conveniente? Afinal, alguém rejeitou algum donativo que foi mandado pelos nordestinos? Que o pau que se dê em Chico se dê também em Francisco. Que a mão que se estende a Chico se estenda também a Francisco. E que Chico possa perceber, finalmente, que ele e Francisco são apenas um.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Bons ladrões

O ladrão que furta para comer, não vai, nem leva ao inferno; os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são outros ladrões, de maior calibre e de mais alta esfera. [...] Não são só ladrões, os que cortam bolsas ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa: os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. — Os outros ladrões roubam um homem: estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo do seu risco: estes sem temor, nem perigo; os outros, se furtam, são enforcados: estes furtam e enforcam. 
Navegava Alexandre em uma poderosa armada pelo mar Eritreu a conquistar a Índia; e como fosse trazido à sua presença um pirata, que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício: porém ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim: Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador? Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres. 
Pe. Antônio Vieira


Não tenho como colocar aqui os nomes de todos os políticos brasileiros, conhecidos também como bons ladrões. Pra quem não sabe, o Senado Federal possui 81 representantes. A Câmara dos Deputados 513 (!). O número de vereadores varia de cidade para cidade, de acordo com o número de seus habitantes. Há ainda prefeitos, governadores, suplentes e assessores. Deixo a você, leitor, o texto de Vieira e a decisão de pensar nos bons ladrões que quiser. Comente, cite seus nomes. Mas saiba, desde já, que há bem mais ladrões do que nossas prisões jamais poderão suportar. E elas estão cheias de piratas.